1º dia de dezembro é comemorado o dia mundial de luta contra a Aids. A doença atinge também estruturas oculares.

O diagnóstico da Aids pode surgir a partir de manifestações oculares

Com o aumento do número de casos de aids, verificado nos últimos anos, e levando-se em conta o
freqüente acometimento do globo ocular nessa doença, tem sido comum o oftalmologista se deparar com tal problema numa primeira instância. Nessa condição, caberá a esse profissional suspeitar do diagnóstico de aids e fazer as orientações pertinentes, tais como solicitar os exames confirmatórios, comunicar o resultado ao paciente e encaminhá-lo para seguimento especializado. Além disso, o oftalmologista desempenha um papel importante para a avaliação e orientação diagnóstica e terapêutica das complicações oculares dos pacientes seguidos por outros profissionais, como parte da equipe multiprofissional que cuida desses pacientes. A epidemia de aids no Brasil tem apresentado mudanças em algumas de suas características epidemiológicas, nos últimos anos. Na década de oitenta (80), havia predomínio absoluto do acometimento de pessoas do sexo masculino, com marcada transmissão através de relacionamento sexual homo/bissexual. Nos últimos anos, tem se verificado um aumento na incidência em mulheres (com o conseqüente aumento na transmissão vertical), aumento da transmissão através do uso de drogas ilícitas injetáveis e aumento da transmissão através do relacionamento heterossexual.
Tem sido verificada, ainda, a expansão da epidemia dos grandes centros urbanos para as pequenas
cidades e para o meio rural (interiorização), maior incidência em pessoas de classes sócio-econômicas mais baixas (proletarização) e maior acometimento dos adolescentes.

Manifestações oculares em pacientes com Aids

Desde as primeiras descrições da aids, tornou-se evidente a importância do acometimento ocular
nessa doença. Além de muito freqüente, pode ser a primeira manifestação da síndrome. Tais
manifestações costumam ocorrer em fases mais avançadas da infecção pelo HIV, quando a contagem de linfócitos CD4+ atinge valores abaixo de 100 células/mm.
As alterações oculares podem acometer os segmentos anterior e posterior, ou os anexos oculares. O segmento posterior é o mais comumente afetado e onde os danos funcionais têm repercussões mais graves. As manifestações oculares da aids podem ser divididas em cinco (5) categorias:
I – alterações da microvasculatura;
II – infecções oportunistas;
III – neoplasias;
IV- distúrbios neurooftalmológicos e;
V – outras alterações.

Estudos realizados no Brasil têm revelado, com pequenas variações regionais, que a retinite pelo citomegalovírus (CMV) é a infecção mais comum. Um estudo das manifestações oculares da aids na região de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, onde cento e noventa e oito (198) pacientes anti-HIV positivos foram examinados no período de julho de 1992 a agosto de 1994, revelou que 61% apresentavam alterações oculares enquanto 39% não apresentavam nenhum tipo de alteração. Quanto às alterações oculares encontradas, os exsudatos algodonosos foram a manifestação mais comum e a retinopatia pelo CMV a infecção mais freqüente, seguida pela retinocoroidite por toxoplasmose. A maioria dos indivíduos (57,5%) apresentava alguma doença sistêmica associada.

1- Alterações da microvasculatura

Constituem a chamada retinopatia da aids ou retinopatia pelo HIV, ou retinopatia não infecciosa
pelo HIV. As alterações vasculares mais freqüentes são os exsudatos algodonosos, seguidos pelas hemorragias intra-retinianas e microaneurismas. A etiopatogenia de tais alterações não é totalmente conhecida, mas elas podem ser devidas a lesões do endotélio vascular pelo HIV; à deposição de imunocomplexos circulantes na parede vascular ou a alterações do fluxo sanguíneo retiniano. A diversidade dos achados sugere múltiplos fatores, infecciosos e não infecciosos. Ocorrem mais freqüentemente com baixa contagem de CD4+, geralmente, abaixo de 100 células/mm3. O diagnóstico diferencial deve ser feito com a retinopatia incipiente pelo CMV, a retinopatia pelo lúpus eritematoso sistêmico, pelo diabetes e pela hipertensão arterial. Tais exsudatos regridem espontaneamente em duas (2) a seis (6) semanas, sem deixar sequelas.

2- Infecções Oportunistas

As infecções oportunistas são as complicações oculares com maior impacto na função visual dos pacientes com aids. Podem envolver o segmento anterior, o posterior e os anexos. Uma grande variedade de agentes patogênicos pode ser responsável pelas lesões oculares, como infecções virais (retinopatia pelo CMV e pelo Herpes zoster: lesões palpebrais pelo molusco contagioso), infecções bacterianas (coroidite pelo Mycoplasma e uveíte luética), infecções fúngicas (coroidite por Candida) e infecções por protozoários (ceratite por Microsporidium e retinite por Toxoplasma gondii).

a) Retinopatia pelo Citomegalovírus – A retinopatia pelo CMV é a maior causa de cegueira nos pacientes com aids e a causa mais freqüente das infecções oportunistas oculares na maioria
dos estudos. Sua freqüência tem variado de 15 a 46%, acometendo pacientes que, via de regra, apresentam contagem de CD4+ abaixo de 100/mm3. Geralmente, o paciente apresenta poucos sintomas, dependendo da localização da lesão. Os mais comuns são: embaçamento visual, perda da visão central, escotomas, moscas volantes e fotopsia. Ao exame, observam-se, à oftalmoscopia, basicamente três formas de apresentação, isoladas ou sobrepostas: áreas brancas de necrose, com aparência granular, geralmente na periferia ou longe das arcadas vasculares; áreas de necrose com predominância de hemorragia e vasculite, proximamente às arcadas vasculares e vasculite intensa (galhos de árvore congelados). As áreas de necrose progridem lentamente, sendo a mácula acometida nos estágios mais avançados. A maioria dos pacientes apresenta um quadro unilateral no início, em 30 a 40% dos casos, e que pode se tornar bilateral em 60% ou mais dos pacientes não tratados. As drogas antivirais disponíveis na atualidade para o tratamento da retinopatia pelo CMV são o Ganciclovir, o Foscarnet e o Cidofovir.

b) Retinocoroidite por toxoplasmose – É outra causa freqüente de retinite infecciosa na aids e, em alguns pacientes, é a manifestação inicial da doença. Deve ser diferenciada da retinopatia pelo CMV com base nos aspectos clínicos e na resposta à terapêutica específica. As lesões são brancas e floconosas, sem o padrão granular da retinopatia pelo CMV e há maior reação vítrea do que nela. Cerca da metade dos casos apresenta, concomitantemente, manifestações de acometimento neurológico (neurotoxoplasmose). Em contrapartida, os pacientes com doença neurológica pela toxoplasmose apresentam 10 a 20% de chance de apresentarem o quadro ocular. As medicações e dosagens utilizadas são as mesmas do tratamento utilizado nos imunocompetentes. Em adultos, a Sulfadiazina é empregada na dose de 1000mg via oral, de seis em seis (6/6) horas, e a Pirimetamina na dose de 50mg, via oral, uma vez ao dia. O uso associado de corticosteróides é controverso nesses casos.

c) Retinite herpética – A necrose retiniana progressiva externa (PORN) e a necrose retiniana aguda (ARN) somam 1% das retinites infecciosas nos pacientes com aids. A PORN é causada pelo vírus da varicela-zoster, e é caracterizada por necrose das camadas externas da retina, em áreas múltiplas do pólo posterior, que rapidamente coalescem e atingem todas as camadas retinianas. Há pouca hemorragia, e o vítreo é, geralmente, poupado. As lesões progridem rapidamente e de forma fulminante, a despeito da terapêutica. O paciente queixa-se de perda da acuidade visual, sem dor. Ao exame oftalmoscópico, notam-se áreas de opacificação retiniana nas camadas profundas.
O comprometimento vascular não é freqüente e o nervo óptico pode ser comprometido em 17% dos
casos. O uso do Aciclovir, na dose de 20 mg/Kg, a cada oito (8) horas, por via endovenosa, por duas (2) semanas, seguido pelo uso oral na dose de 800 mg, cinco (5) vezes ao dia, tem sido recomendado. A ARN é outra forma de retinopatia causada pelo vírus Herpes zoster e pelo Herpes simplex e tem um prognóstico melhor que o da PORN. As lesões se iniciam na periferia e evoluem de maneira confluente e centrípeta, com maior reação inflamatória do vítreo e do segmento anterior, com sinais freqüentes de vasculite. A terapêutica pode ser feita com o Aciclovir por via endovenosa, na dose de 13mg/Kg, de oito em oito (8/8) horas, durante quinze (15) dias, seguido pelo uso oral, na dose de 800mg, cinco (5) vezes ao dia.

d) Retinite sifilítica – As manifestações oculares da sífilis em pacientes com aids são mais severas, prolongadas, com maior chance de recorrência, e com maior comprometimento bilateral, quando comparadas com as que ocorrem nos pacientes imunocompetentes. Além da coriorretinite, ela pode causar vasculite, uveíte e papilite. Há duas formas de retinite: um padrão branco-amarelado fora das arcadas vasculares, e um padrão cinza esbranquiçado, de retinite profunda. O diagnóstico pode ser feito através de testes sorológicos como o FTA-Abs. Os pacientes são tratados com penicilina G cristalina por via endovenosa, na dose de dois (2) a quatro (4) milhões de unidades, a cada quatro (4) horas, durante catorze (14) dias consecutivos.

e) Coroidite pelo Cryptococcus neoformans – A ocorrência de infecção por fungos do gênero Cryptococcus é bastante comum em pacientes com aids. A coroidite se apresenta como lesões múltiplas, amareladas. Esse quadro ocular não é freqüente, e, geralmente, se associa com a doença disseminada. As manifestações oculares mais freqüentes são inespecíficas e secundárias ao envolvimento do SNC. O tratamento pode ser feito com a Anfotericina-B ou com o Fluconazol.

f) Coroidite pelo Pneumocystis carinii – Quando não recebem tratamento profilático adequado, aproximadamente 60% dos pacientes com aids estão sob risco de desenvolverem pneumonia pelo Pneumocystis carinii. Desses, menos de 1% desenvolvem foco extrapulmonar, como a retina. A lesão retiniana é caracterizada por lesões múltiplas, bilaterais, amareladas, que podem coalescer e apresentam pouca reação inflamatória. O tratamento pode ser feito com a associação de Sulfametoxal e Trimetoprim.

g) Infecções Oculares Externas – A infecção mais comum no segmento anterior é o Herpes zoster oftálmico. Os pacientes apresentam lesões de pele vesiculobolhosas no território do ramo oftálmico do trigêmeo e, além disso, podem apresentar ceratite e/ou uveíte. O quadro clínico costuma ser típico e o diagnóstico feito pelo aspecto das lesões. A terapia pode ser feita com Aciclovir por via endovenosa e/ou oral.

3 – Neoplasias
As principais neoplasias associadas com a aids são o sarcoma de Kaposi e o linfoma. O sarcoma
de Kaposi é uma neoplasia vascular multicêntrica da pele, mucosas, órgãos internos e linfonodos. Acomete as pálpebras, a conjuntiva bulbar ou palpebral e a órbita, em cerca de 20% dos casos. Clinicamente se apresenta como uma lesão violácea na conjuntiva, mais freqüentemente no fórnix inferior, que pode cursar com irritação, hemorragias subconjuntivais, infecção, triquíase e entrópio. A quimioterapia e a imunoterapia são necessárias para controlar a disseminação do tumor, mas seu uso deve ser criterioso pois favorece as infecções oportunistas. A crioterapia e a retirada cirúrgica estão indicadas nas lesões isoladas. Os linfomas que acometem os pacientes com aids são do tipo não-Hodgkin, e podem ser classificados em linfomas primários do olho e do sistema nervoso central (SNC) e linfomas sistêmicos. O acometimento do globo ocular no linfoma do SNC é comum. O tumor é multicêntrico, e o acometimento bilateral, freqüente. Geralmente, ocorrem em uma etapa mais tardia da infecção pelo HIV e o diagnóstico se baseia na demonstração de células neoplásicas no vítreo ou em lesões coriorretinianas.

4 – Distúrbios Neurooftalmológicos
São decorrentes do acometimento do sistema nervoso central pelo próprio HIV, por infecções oportunistas ou neoplasias. O próprio HIV é o responsável pelo mais freqüente acometimento do SNC na aids, caracterizado por uma demência progressiva (complexo aids-demência). O quadro ocular secundário a esse distúrbio neurológico pode se caracterizar por alterações visuais, paralisias do olhar e perturbações do campo visual. A meningoencefalite criptocócica é também muito freqüente, e a manifestação ocular mais comum nessa doença é o papiledema. O paciente pode apresentar ainda, como complicação do acometimento do SNC, paralisias do olhar, alterações pupilares, alterações do campo visual e amaurose. As mesmas alterações oculares podem ser observadas em pacientes com granulomas no SNC, secundários às infecções por toxoplasmose e tuberculose.

5 – Outras alterações

São descritas também várias manifestações oculares nos pacientes com aids, inespecíficas. A presença de uma ceratoconjuntivite seca pode estar presente em 10% a 15% dos pacientes(44). Alguns estudos têm evidenciado alterações do epitélio conjuntival dos pacientes, decorrentes de deficiências de vitamina A, casos em que há uma redução no número das células caliciformes e das células epiteliais da conjuntiva. Defeitos da acomodação visual com dificuldades na leitura têm sido descritos e possivelmente estão associados com o estado geral, debilitado, do paciente ou com o uso de medicamentos.

FIGUEIREDO JFC et al. Aspectos da aids de interesse para o oftalmologista. Medicina, Ribeirão Preto, 31: 577-583, out./dez. 1998

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